Bruna Lombardi


  


Em 1967, começou a trabalhar como modelo. Sua estréia na televisão foi em 1977, na telenovela Sem Lenço, Sem Documento, de Mário Prata, pela TV Globo. Em 1978 foi para a TV Tupi para trabalhar na telenovela Aritana, onde conheceu o ator Carlos Alberto Riccelli, seu marido






UMA MULHER

Uma mulher caminha nua pelo quarto
é lenta como a luz daquela estrela
é tão secreta uma mulher que ao vê-la
nua no quarto pouco se sabe dela
a cor da pele, dos pêlos, o cabelo
o modo de pisar, algumas marcas
a curva arredondada de suas ancas
a parte onde a carne é mais branca
uma mulher é feita de mistérios
tudo se esconde: os sonhos, as axilas, a vagina
ela envelhece e esconde uma menina
que permanece onde ela está agora
o homem que descobre uma mulher
será sempre o primeiro a ver a aurora.

"As melhores coisas são ditas em particular."





"Quero dormir com você ou pelo menos te dar um beijo na boca. O meu amor não tem pudor, nem acanhamento. Não tem paciência, não aguenta mais a urgência do desejo..."






Princípio

Na paixão de um homem, na inquietude
das feras, no vermelho
que o fio da lâmina provoca
o olho acostumado a perscrutar
as máscaras, as almas, o que não se confessa.

Na origem profunda do ser
Onde tudo começa
na sua luta contra o tempo
e contra a natureza

em tudo há o desgaste
em tudo o conflito se apresenta
raiz do ataque e defesa
há o mar, a fúria do mar
e a força da rocha que o enfrenta.





Baixo ventre

eu não aguentava mais de amor por você
tava ardendo de vontade de você
você há de me querer
há de tentar, se atrever
mesmo se for um delito, se for errado
maldito, amaldiçoado
mesmo que o céu nos castigue
com um eterno eclipse
e venha o caos, satã, o fim de tudo
e a gente seja culpado
porque não soube resistir à tentação
eu não quero me livrar desse pecado
e me salvo através dessa paixão.




Caso

Pode ser mais um capricho
pode ser uma paixão
pode ser coisa de bicho
pode não.

Pode ser já por destino
pelos astros, pelos signos
por uma marca, uma estrela
talvez já estivesse escrito
na palma da minha mão.

Talvez não...

Talvez até nem fique
nem signifique nada
nem me arranhe o coração
pode ser só uma cisma
pode estar só de passagem

Ou não.




AMÁLGAMA

Homem de terra, de argila e de farinha
de raízes no solo e muitas fontes
o mesmo sol que te satura me mora nas entranhas
o mesmo fio que te liga à terra me fez de presa.
A mesma carne, a tua, é fraca em mim
em mim que já sou feita de tuas ânsias
de tuas névoas, de teu suor e teu conflito.
O mesmo cheiro de tuas partes em minhas mãos resiste
ao vento de poeira. Às estações e ao isolamento.

Já não sou tua, é certo. Talvez eu nunca fosse,
talvez tivesse sido, talvez um dia eu seja.
Talvez te habito em sonhos recônditos
talvez nem te dês conta.
Talvez já nem percebas. Talvez ainda não saibas.
É tão vasto o sortilégio. Tão infinitas
as marcas de teus pés no meu passado
de tuas mãos pelo meu corpo.

Homem de pedaços. De sulcos cavados na pedra
Talvez eu seja o rio que te corre por cima
são águas minhas as que te corroem
e te deixam em sedimentos,
São seixos teus que carrego no meu leito
são partes tuas as que me dão forma.
É barro teu o que me turva.

Homem de asas. Companheiro,
é através de teus sentidos o meu contato.
A minha noite tem a tua cumplicidade.
A tua serpente possui o meu veneno.
O mesmo sangue. É inútil que te afastes.




ELOGIO DO PECADO

Ela é uma mulher que goza
Celestial, sublime.
Isso a torna perigosa
E você não pode nada contra o crime
dela ser uma mulher que goza.
Você pode persegui-la, ameaçá-la
tachá-la, matá-la se quiser...
retalhar seu corpo, deixá-lo exposto
pra servir de exemplo.É inútil.
Ela agora pode resistir
ao mais feroz dos tempos,
à ira, ao pior julgamento.
Repara, ela renasce e brota nova rosa.
Atravessou a história, foi queimada viva,
Acusada desceu ao fundo dos infernos
e já não teme nada.
Retorna inteira, maior, mais larga
Absolutamente poderosa.

"Quanto mais fundo entro na desordem, melhor me oriento."







GUIRLANDA

A luxúria pinta a cara com as tintas do absurdo
tenta as cores mais alucinadas
procura os tons mais profundos

e quando me deito na cama
tenho a alma encarnada
e ele me acha a mulher mais bonita do mundo.







ARREMESSO

Porque despertar em mim esse animal
alucinado. Animal de olhos de fogo.
Selvagem e louco. Esse animal acuado
que perde sangue no jogo.
Essa fera que te ataca e te resiste.
Que por pouco não te mata.
Ah, essa desenfreada que me existe
e me devora. Porque despertá-la agora
já que há tanto vinha adormecida.

Porque assustá-la assim em meio ao sono.
Porque arrancá-la bruscamente de seu sonho
e transportá-la de repente para a vida.
Porque despertar em mim essa cavala doida
que vai te galopar de corpo inteiro.

Enlouquecida que vai se ferir em meio ao trote.
Porque atiçar esse bicho
que nessa luta vai morrer primeiro.
Que vai morrer de fome, de grito, de garganta enxuta,
de tanta entrega. Dilacerado de tanta força bruta.

Porque despertar essa besta que me habita
que se torna cruel e desumana quando aflita.
Porque gritar com ela no silêncio de um sono branco
em que já vinha há tanto.
Porque provocá-la em meio ao espanto
quando ainda não era o seu tempo.








A viagem da paixão

Tenho os caprichos inerentes à natureza da mulher
abro a caixa de pandora que eu quiser
e lanço mão de todo mal e todo bem
avanço a passos largos
alcanço o ponto extremo e vou além
onde se estende a palpitação das células
e se prolongam feixes de neurônios
onde se nasce, morre e se enlouquece
intima de deuses e demônios.
Onde habitam as feras, os espítiros das florestas
onde se determina a primavera
e se marcam as nossas testas.
Onde se aprende a sabedoria do fogo
e todas as forças de atração
e se descobre o ponto que orienta
esse mapa de navegação.
Estrela solitária, asteróide desgarrado
luz que aponta o caminho
da viagem da paixão.







Cio

Quero dormir com você ou pelo menos
te dar um beijo na boca
o meu amor não tem pudor, nem acanhamento
não tem paciência, não aguenta mais
a urgência do desejo
e eu te olho, te olho, te olho
como se dissesse.

Penso, ele há de perceber, me encosto um pouco
espero um gesto, um sinal, uma atitude
que eu possa interpretar como resposta
uma indicação
mas você é um homem sério e continua
se escondendo atrás dessas teorias
e nem te brilha no olho uma faísca de tentação.
ai, que aflição
pensar no que eu faria
se pudesse

desejo que não acontece
fica parado no peito
ai, vira obsessão.








Sinistro

Inclua no seu amor um pouco de desespero
derrame seu potencial de drama nos tapetes
ponha sal nas frutas ácidas
tente um pouco de champagne no sapato
esparrame de preguiça pelos linhos
no espalhafatoso desleixo dos lençóis
use olhos cristalizados, cintilantes
com faíscas no meio das plumagens
aprenda a cantar e a cabriolar um pouco
a dança elástica de uma enguia
se esfregue nas nervuras, descubra trunfos
muito escorregadia
Saiba o zodíaco chinês e as manchas do demônio
conhecedora de alquimias
deguste seus horrores em rituais estranhos
Seja uma ameaça
Dê telefonemas interurbanos em meio à noite
a Angkor, Himalaia, Terra do Fogo
Estilhace as regras desse jogo
que um pouco de maldade é necessária
Libidinosa sempre entre parênteses
esguiche todo esse seu som de dentro
ensopada de paixão e de água fria
leviana até a última mordida
Esquiva como uma taturana
penetrando no gargalo da garrafa
estenda suas estrias até o limite da suspeita
pois não há nada como um crime atrás do outro.





QUE ME VENHA ESSE HOMEM

Que me venha esse homem depois de alguma chuva, que me prenda de tarde em sua teia de veludo, que me fira com os olhos e me penetre em tudo.
Que me venha esse homem de músculos exatos, com um desejo agreste, com um cheiro de mato.
Que me prenda de noite em sua rede de braços, que me perca em seus fios de algas e sargaços.
Que me venha com forca, com gosto de desbravar, que me faça de mata pra percorrer devagar.
Que me faça de rio pra se deixar naufragar.
Que me salve esse homem com sua febre de fogo, que me prenda no espaço de seu passo mais louco.

"Nenhuma mulher é linear quando tocada pela faísca da loucura. E, no meu caso particular, a loucura, além de morar ao lado, usa frequentemente meu telefone"(...)






"...Bom comportamento nunca foi meu ponto forte. Minhas contradições se digladiam, Sobrevivo de um instinto que me empurra para lugares onde moças não iriam... Sou tantas, e a cada dia uma. Quero da vida todas e mais algumas, Ir fundo em todas essas personagens."